Nos dias que se seguiram à vitória dos Patriots no Super Bowl, muitos analistas, depois de estudarem cuidadosamente o filme do jogo, ofereceram vários teorias para explicar a forma como a partida tinha mudado tão drasticamente. E um dos aspetos mais óbvios foi a tremenda diferença no tempo de posse de bola, 40:31 minutos para os Patriots, 23:27 minutos para os Falcons. Ao todo, o ataque dos Patriots ensaiou 99 jogadas, ou snaps, o de Atlanta apenas 49.
Esta discrepância teve um peso enorme, pois foi notório que na segunda parte a defesa de Atlanta estava exausta, faltou-lhe forças para poder suster a arrancada vitoriosa do grupo liderado por Tom Brady.
Por outras palavras, os Patriots estavam melhor preparados fisicamente.
"Bem, eu penso que certamente faltou um bocadinho de gasolina," reconheceu o treinador Dan Quinn após o final do jogo. "Não sei qual foi o tempo de posse de bola porque ainda não olhei para isso."
Quando finalmente teve oportunidade de analisar as estatísticas do jogo o treinador de Atlanta decerto terá ficado ainda mais desiludido.
Em contra partida, a equipa técnica dos Patriots elaborou um plano de jogo em que pretendia desgastar fisicamente a defesa adversária. Bill Belichick passara a semana a avisar que a defesa dos Falcons era muito rápida, tinha jogadores muito velozes que iam criar imensos problemas a0 seu ataque. Por isso, era importante tentar desgastá-la o máximo possível.
Assim, nos primeiros drives, os Patriots surpreenderam ao utilizarem LeGarrette Blount. Para os fãs que assistiram às tentativas iniciais do ataque, que não conduziram a lado nenhum, teria seria preferível utilizar os running backs mais velozes, mais rápidos, como Dion Lewis e James White, mas Bill Belichick e Josh McDaniels, o coordenador ofensivo dos Patriots, estavam convencidos que seria decisivo desgastar a defesa adversária e Blount é muito mais pesado, castiga mais quem o tentar derrubar.
E porque motivo teria a equipa técnica dos Patriots assim tanta confiança na preparação física dos seus jogadores? Estes explicaram no fim do jogo.
COMO SE ADQUIRIU A PUJANÇA FÍSICA
"Nós temos umas colinas em Foxborough que somos obrigados a subir, e todos nós detestamos fazer isso e estamos sempre a reclamar sobre isso," revelou Julian Edelman. "Mas nós fazemos o nosso trabalho, trabalhamos a preparação física, e sabíamos que os poderíamos desgastar se conseguíssemos estar perto deles...isso mostra como esta equipa é mentalmente forte."
"Nós estivemos a subir uma colina na semana passada e eu disse, 'mas quem é que sobe uma colina na semana 23?' Os rapazes estavam cansados, mas foram lá e correram a toda a velocidade até ao cimo do monte," acrescentou Martellus Bennett. "Temos sido uma equipa que trabalha, uma equipa cheia de trabalhadores. Há muita gente nesta equipa que as outras equipas não quiseram….em termos gerais todos deram o máximo todos os dias. Nunca houve um treino onde nós não estivéssemos a trabalhar arduamente."
"Eles [os Falcons] ficaram debaixo de uma tremenda pressão. Sabíamos que tínhamos que colocar pressão sobre eles," acrescentou Nate Solder. "Nós temos feito isso durante todo o ano porque estamos bem preparados fisicamente e somos mais fortes do que a outra equipa no quarto período. Fizemos isso outra vez esta noite."
"Parece que começámos a pressioná-los no quarto período –muitos no-huddle, muitas formações vazias [sem running backs], muitos passes," concluiuBill Belichick. "Decidimos fazer isso no prolongamento. A nossa preparação física valeu a pena."
Para se ter uma melhor ideia do que representa ter 99 jogadas, um novo recorde no Super Bowl, basta mencionar que em média o ataque dos Patriots fez 70 por jogo, com um máximo de 80 na segunda jornada frente a Miami e na quinta em Cleveland.
PRIMEIRA PARTE MUITO COMPLICADA
Na primeira parte os jovens defesas de Atlanta jogaram a 100 à hora, criando assim problemas que praticamente abafaram o ataque dos Patriots.
A proteção a Tom Brady, essencial para que o quarterback consiga detetar os seus alvos, em certos momentos andou aos arames. Grady Jarrett foi um diabo à solta, registando três sacks frente a Shaq Mason, e até Dwight Freeney, o mais velho do grupo, conseguiu fazer a vida negra a Nate Solder. Em contraste, Vic Beasley, que liderou a NFL em sacks, teve uma noite para esquecer pois só por uma vez conseguiu chegar a Brady.
Portanto, nos três primeiros períodos, Atlanta pressionou Brady em 44,7 por cento das suas tentativas de passe, embora só muito raramente tenha feito blitz, em apenas 7,4 por cento das tentativas de passe.
A secundária de Atlanta também esteve muito bem e apanhou de surpresa os receivers dos Patriots, fazendo uma marcação individual cerrada, marcação homem-a-homem, diferente daquilo que costuma fazer.
Deji Olatoye e C.J. Goodwin, que nos dois primeiros jogos dos play-offs haviam totalizado 18 jogadas, frente aos Patriots estiveram em 54.
Ora, normalmente Atlanta usa o sistema de Cover 3. Mas, nesta cobertura utilizaram um outro defesa no meio do terreno para fechar os espaços que os receivers dos Patriots gostam mais de explorar, precisamente na zona central.
E o sistema funcionou durante bastante tempo. Por vezes via-se Robert Alford a fazer a marcação, normalmente a Julian Edelman, mas depois deixava-o seguir porque entretanto surgia um outro defesa a fazer a dobra. Este tipo de marcação confundiu inicialmente Tom Brady, que acabaria por ser intercetado por Alford, num lance que na altura se receava ter decidido o jogo pois Atlanta aumentou a sua vantagem para 21-0.
Por sua vez, o linebacker Deion Jones também recuou para fazer dobras, principalmente a Edelman, e o ataque dos Patriots emperrou.
"O que é que eu pensei ao intervalo?" disse Nate Solder. "Que tinha que começar a jogar muito melhor do que tinha feito até aquela altura." O resto da equipa deve ter pensado da mesma forma.
AS MUDANÇAS NA SEGUNDA PARTE
E na realidade assim foi, pois na segunda parte, especialmente na ponta final do terceiro período quando a recuperação arrancou de forma imparável, a linha ofensiva não permitiu que tocassem emTom Brady.
"Ao fim da noite, a linha ofensiva fez um trabalho incrível contra a pressão deles," disse Bill Belichick.
Com a passagem do tempo, com o acumular do cansaço, o* pass rush* de Atlanta quase desapareceu, baixou para 20 por cento e nunca existiu no prolongamento. Consequentemente o passer rating de Tom Brady, que chegara a estar a 64,1, subiu para 107,0.
E os Patriots, como normalmente acontece quando as coisas não estão a correr bem, mudaram o seu plano de ataque. LeGarrett Blount, que conseguira apenas 16 jardas em oito corridas, cedeu o lugar a James White. E Atlanta nunca conseguiu encontrar a fórmula certa para conseguir abrandar White, que estabeleceu um novo recorde no Super Bowl, com 14 receções, 110 jardas. Deion Jones e De'Vondre Campbell bem tentaram, mas não conseguiram.
Ao todo James White participou em 71 jogadas. Curiosamente o máximo para White nesta temporada havia sido 39, máximo na carreira fora 51, em 2015, contra os Eagles. E este ano nunca um running back dos Patriots esteve em campo para mais de 48 jogadas.
E como Atlanta tinha a zona central bloqueada no jogo aéreo, os Patriots começaram a atacar pelas laterais. Durante a fase decisiva, Tom Brady, que fez alguns passes simplesmente sensacionais, encontrouMalcolm Mitchell cinco vezes para 63 jardas, ligou com Danny Amendola sete vezes para 65 jardas, e Chris Hogan duas vezes para mais 38 jardas. Tudo nas faixas laterais.
E assim, os receivers dos Patriots que durante a primeira parte nunca tiveram espaços vazios e sempre que se viravam para tentar receber a bola tinham alguém a tapar-lhes a cara, de repente começaram a encontrar esses espaços. Os elementos da secundária de Atlanta, que tinham passado todo o tempo numa correria desenfreada a perseguir os receivers dos Patriots por todo o campo, perderam a frescura física e a certa altura já não conseguiam impedir as fintas de corpo, as mudanças bruscas de direção. Os três cornerbacks, os dois safeties e o* linebacker* Deion Jones estiveram em campo para defender mais de 90 jogadas.
Acrescente-se Martellus Bennett, que teve cinco receções para 62 jardas, o melhor total dos últimos 10 jogos, e facilmente se compreende que a certa altura o ataque dos Patriots muito simplesmente passou a ter demasiadas armas para uma defesa cada vez mais cansada.
Na realidade, este ano a defesa de Atlanta defendeu uma média de 65,4 jogadas por jogo e teve que estar em campo uma média de 29:49 por jogo. Contra os Patriots: 99 jogadas, 40:31.
Em contraste, a defesa dos Patriots foi aumentando a pressão. E Matt Ryan, que durante a primeira esteve infalível, pois registou um passer rating perfeito de 158,3 começou também a sentir alguns nervos já que os Patriots optaram por enviar mais jogadores para pressionar, com blitzes em 41,2 por cento das tentativas de passe.
E até o jogo corrido de Atlanta ficou engasgado a certa altura. Na primeira jogada do jogo, Devonta Freeman, que havia declarado que o ataque de Atlanta era imparável, arrancou 37 jardas. Mas, no terceiro período, o cansaço apoderou-se do grupo e Freeman acabaria por estar numa das jogavas decisivas da partida quando não bloqueou Dont'a Hightower, permitindo assim o* strip sack* que mudou por completo a forma como o jogo estava a decorrer e deu nova vida aos Patriots.
Freeman e Tevin Coleman totalizaram 86 jardas em nove corridas na primeira parte, mas apenas 18 jardas em nove corridas na segunda, cinco delas sem qualquer avanço no terreno.
Todas estas mudanças, conforme Bill Belichickacabaria por revelar, surgiram porque a sua equipa técnica decifrou exatamente o plano de jogo de Atlanta ainda no primeiro período.
PLANO TÁTICO DE ATLANTA FOI DECIFRADO CEDO
"Para mim, o jogo ficou declarado no final do primeiro período," disse Belichick. "Foi um jogo de homem-a-homem, com um free safety, e um jogo corrido para as alas. Inicialmente não fizemos um grande trabalho em qualquer um deles, mas o jogo ficou declarado cedo."
Foi tudo uma questão de tempo e disponibilidade física até os Patriots começarem a executar, algo que durante a primeira parte não conseguiram. Felizmente acordaram a tempo.
E para ficarmos com uma ideia mais exata do que foi esta diferença na disponibilidade física dos jogadores, saliente-se que no ataque seis estiveram em todas as 99 jogadas, toda a linha ofensiva –Nate Solder, Joe Thunney, Shaq Mason, Marcus Cannon eDavid Andrews – e obviamente Tom Brady.
Seguiram-se Chris Hogan (97), Julian Edelman (90), Martellus Bennett (86) e James White (71). E atéDanny Amendola esteve em 45 jogadas, o seu novo máximo este ano.
Na defesa,Devin McCourty, Patrick Chung, Dont'a Hightower, Malcolm Butler e Logan Ryan estiveram em todas as 49 jogadas. Seguiram-se Trey Flowers (45) e Alan Branch (37).
E assim se explica uma vitória que fica para a história.